Artistas, Cineastas e Investigadores

Catarina Laranjeiro

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Catarina Laranjeiro

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Arriscando Bissauwood…
por Catarina Laranjeiro

Quando perguntei a Noel Djassi, quando tinha realizado o seu primeiro filme, respondeu-me que tinha sido há dez anos atrás, no Bairro Militar em Bissau, Guiné-Bissau. Estávamos em sua casa, em Queluz, arredores de Lisboa. Contou-me que o seu pai, na altura em Portugal, lhe havia enviado para Bissau um telemóvel Samsung, com o qual gravou. Eles eram um grupo de amigos que havia visto Barafunda, o primeiro filme vernacular (ou popular) guineense, com o qual ficaram deslumbrados. Outros jovens da mesma idade partilharam o mesmo deslumbre: Nelca Lopez lembra-se de o ter visto tantas vezes que sabia de cor todos os diálogos; e teve tanto impacto em Axy Demba que acredita que deveria ser re-filmado com equipamento e equipa profissionais.

Barafunda estreou em Bissau em 2006, atingindo um sucesso sem precedentes. Foi escrito e dirigido por Mário de Oliveira, produzido pela BETA-TV, com atores do grupo de teatro amador Blifi (palavra que em língua mancanha significa sombra). Foi filmado em vídeo, e distribuído em DVDs nos principais mercados da Guiné-Bissau e em lojas africanas em França e Portugal. Centra-se na história de um homem de classe média baixa, que não consegue sustentar a sua família e que entra numa esfera de dívidas e cobranças. Perante este cenário desolador, a sua mulher e a filha tornam-se provedoras da casa, revelando os papéis sociais que as mulheres foram (e ainda são) chamadas a desempenhar para fazer face à situação económica em que a maioria da população guineense vivia (e ainda vive).

Nesse mesmo ano, as condições de vida na Guiné-Bissau, que se haviam deteriorado após a guerra civil de 1998, foram consideradas pelo Banco Mundial como piores que do Rwanda em 1994. Simultaneamente, a política interna inspirava um filme de Hollywood.

Nino Vieira, antigo Presidente que se encontrava exilado em Portugal após a guerra civil, havia voltado para a Guiné-Bissau, sem autorização, tendo acabado por ganhar as últimas eleições presenciais. À época, o seu mandato estava a ser dominado por atos pessoais de vingança, que traziam consigo o espectro da guerra.

Num cenário de múltiplas perseguições e assassinatos políticos, uma história banal de uma família de classe média baixa de Bissau, tornou-se um enorme sucesso. Não mostrando a violência visível que circunscrevia a esfera militar e política, este filme retratou a invisível, a acontecer no dia-a-dia, que estabelecia com a primeira um diálogo instigante. Mário de Oliveira voltaria a filmar em 2008 e em 2010, e muitos outros cineastas amadores, com grupos de teatro amadores, ou grupo de amigos, realizaram filmes com orçamentos irrisórios, equipamento de baixa qualidade, que se tornaram grandes sucessos quer na Guiné-Bissau, quer nas diásporas guineenses na Europa. Hoje, estes filmes vernaculares (habitualmente designados de Teleteatros) circulam principalmente em canais de Internet, atingindo números de visualizações surpreendentes quando comparados com grandes produções guineenses. Quer os seus modos de produção, quer de distribuição são herdeiros de Nollywood, gerando um movimento cinematográfico que não será arriscado chamar de Bissauwood e que numa investigação em que cruzo a antropologia, a história e os estudos fílmicos, me proponho cartografar.

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